A nossa Constituição completa 25 anos
e merece uma retrospectiva sob a ótica feminina.
Os valores elencados no texto
constitucional, como liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento,
igualdade, justiça, solidariedade, justiça social, função social, constantes do
artigo 5º, caput, da Carta Magna, é o
sustentáculo da dignidade da pessoa humana.
Para Aristóteles, o exercício
constante da razão prática em termos de justiça é o que permite determinar o
justo e o injusto.
Na
lição do advogado e professor Nery
Júnior, “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais”, o que assegura a todos, indistintamente,
independentemente de raça, cor, sexo, classe social, situação econômica,
orientação sexual, convicções políticas e religiosas, redução de desigualdades
sociais e regionais, sem preconceitos de origem, idade ou qualquer outra forma
de discriminação, sabendo-se que a discriminação é a antítese da igualdade.
Prevê o mencionado artigo o tratamento igualitário
entre homens e mulheres, pressupondo que o sexo não possa ser utilizado como
discriminação com o propósito de desnivelar substancialmente homens e mulheres. Repetindo a sentença aristotélica
de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, é preciso que tal axioma seja encarado como ponto de partida e não
como ponto de chegada.
Várias convenções, tratados, declarações de direitos nacionais e internacionais se debruçaram em favor da igualdade em todos os seus termos,
culminando com as conquistas das mulheres atualmente observadas.
A Declaração Universal de Direitos Humanos reflete o contexto internacional
pós-segunda guerra mundial como as relações desiguais de poder entre homens e
mulheres e a noção de direitos humanos adquiriu maior especificidade no sentido
de reconhecer a diversidade do conceito, a partir
de gênero, raça e etnia. (Jacqueline Pitanguy de Romani).
A Constituição de
1988 reconhece o papel do Estado em
coibir a violência intrafamiliar (artigo 226, § 8), antecipadamente à Declaração
da Conferência de Viena e pertencem a esse universo tratados internacionais que
visam a proteção de grupos específicos, destacando-se a Convenção Internacional
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção para
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 1979, destacando-se a Convenção de Belém do Pará.
A CF trouxe grandes avanços com
relação à igualdade racial no artigo 42, inciso I, transformando o racismo em crime inafiançável e o
artigo 68 contemplou as comunidades remanescentes de quilombos, direito ainda
não consolidado, em razão de questões fundiárias. (Assessoria de Comunicação Social
da SEPPIR/PR).
Um momento destacado
na defesa dos direitos humanos das
mulheres foi a articulação desenvolvida ao longo do período pré-1988, visando à
obtenção de conquistas no âmbito
constitucional. Esse processo culminou na elaboração da Carta das Mulheres Brasileiras aos
Constituintes, que contemplava as principais reivindicações do movimento de
mulheres, a partir de ampla discussão e debate nacional. Em razão da competente articulação do movimento
durante os trabalhos constituintes, o resultado foi a incorporação da maioria significativa
das reivindicações formuladas pelas mulheres no texto constitucional de 1988.
Como observa Leila
Linhares Barsted, “o movimento feminista
brasileiro foi um ator fundamental nesse processo de mudança legislativa e social, denunciando
desigualdades, propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na
interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o movimento feminista brasileiro tem
lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos
Humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como
nas práticas sociais” A ação organizada do movimento de mulheres, no processo
de elaboração da Constituição Federal de
1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações, tais como o
reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a
igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.
O êxito do movimento
de mulheres, no tocante aos ganhos constitucionais, pode ser claramente evidenciado pelos dispositivos
constitucionais que asseguram: a) a igualdade entre homens e mulheres em geral
(art. 5º , I) e especificamente no âmbito da família (art. 226, § 5º); b) o
reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º , regulamentado pelas Leis nº 8.971, de
29 de dezembro de 1994 e nº 9.278, de 10 de maio de 1996); c) a proibição da discriminação no
mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (art. 7º , XXX, regulamentado
pela Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez,
esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da
relação jurídica de trabalho); d) a proteção especial da mulher no mercado de trabalho,
mediante incentivos específicos (art. 7º , XX, regulamentado pela Lei nº 9.799, de 26 de maio
de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso
da mulher ao mercado de trabalho); e) o planejamento familiar como uma livre decisão do casal,
devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito
(art. 226, § 7º , regulamentado pela Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do
planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e f) o dever do Estado de
coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, § 8º) , tendo
sido prevista a notificação compulsória, em território nacional, de casos de violência contra a mulher que for
atendida em serviços de saúde públicos ou privados, nos termos da Lei nº 10.778, de 24
de novembro de 2003, Lei nº 3157, de 27. 12.2005 contra a
discriminação por orientação sexual e de gênero, bem como promulgada a
Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de
7 agosto de 2006, para a prevenção e o combate da violência contra a mulher, outra grande
conquista das mulheres. Em 5 de maio de 2011, na ADIN nº 4277, fundamentado no art. 226 da Carta Magna, o STF
reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Quanto às
candidaturas de mulheres, conforme observa José Estáquio Diniz, houve um crescimento de candidaturas femininas no Brasil, conforme
dados do Tribunal Superior Eleitoral, com a promulgação das Leis 9.100/95 e 9.504/97
inaugurando a política de cotas, com o objetivo de reverter o caráter
excludente do sistema político brasileiro, nos aspectos de gênero, ainda que abaixo do
esperado. Os resultados tímidos da Lei se devem à forma como a legislação foi adotada no Brasil. A Lei
“reserva” 30% das vagas para cada sexo, mas
não obriga que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo que tem representação
minoritária.
Mesmo entendimento
emerge do movimento de mulheres, já que a política de cotas não resultou em um apoio
efetivo e adequado às candidaturas femininas, denunciando que os partidos
políticos não cumprem as cotas e seus fundos não destinam recursos de caráter
afirmativo às candidaturas das mulheres.
A antropóloga e
professora Elizabeth Nasser, em toda sua
atuação feminista, sempre denunciou a desvalorização das mulheres nos partidos
políticos, ainda que a população eleitoral feminina seja maior que a masculina.
É preciso que se estimule a participação
das mulheres na política de forma eficiente, não apenas reservando cotas, mas dando-lhes
condições para sua atuação no preenchimento efetivo das vagas.
Nos 25 anos de nossa
Constituição observamos grandes vitórias, contudo as mulheres devem continuar a
legitimar e fortalecer os avanços conquistados.
Lucineide Freire
Presidenta CMDM
Fontes: Constituição Federal; TSE; STF; SEPPIR/PR, Relatório
Nacional Brasileiro da IV Conferência;
“Mulher 2000: Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”; Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras;
Nery Júnior; Jacqueline P. de Romani; Flávia Piovesan; Leila Linhares Barsted.
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