sábado, 5 de outubro de 2013

25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA SOB A ÓTICA FEMININA

A nossa Constituição completa 25 anos e merece uma retrospectiva sob a ótica feminina.

Os valores elencados no texto constitucional, como liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, solidariedade, justiça social, função social, constantes do artigo 5º, caput, da Carta Magna, é o sustentáculo da dignidade da pessoa humana.

Para Aristóteles, o exercício constante da razão prática em termos de justiça é o que permite determinar o justo e o injusto.

Na lição do advogado e professor  Nery Júnior, “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”, o que assegura a todos, indistintamente, independentemente de raça, cor, sexo, classe social, situação econômica, orientação sexual, convicções políticas e religiosas, redução de desigualdades sociais e regionais, sem preconceitos de origem, idade ou qualquer outra forma de discriminação, sabendo-se que a discriminação é a antítese da igualdade.

Prevê o mencionado artigo o tratamento igualitário entre homens e mulheres, pressupondo que o sexo não possa ser utilizado como discriminação com o propósito de desnivelar substancialmente homens e mulheres.  Repetindo a sentença aristotélica de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, é preciso que tal axioma seja encarado como ponto de partida e não como ponto de chegada.

Várias convenções, tratados, declarações de direitos nacionais e internacionais se debruçaram em favor da igualdade em todos os seus termos, culminando com as conquistas das mulheres atualmente observadas.

A Declaração Universal de Direitos Humanos reflete o contexto internacional pós-segunda guerra mundial como as relações desiguais de poder entre homens e mulheres e a noção de direitos humanos adquiriu maior especificidade no sentido de reconhecer a diversidade do conceito, a partir de gênero, raça e etnia. (Jacqueline Pitanguy de Romani).

A Constituição de 1988  reconhece o papel do Estado em coibir a violência intrafamiliar (artigo 226, § 8), antecipadamente à Declaração da Conferência de Viena e pertencem a esse universo tratados internacionais que visam a proteção de grupos específicos, destacando-se a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 1979, destacando-se a Convenção de Belém do Pará.

A CF trouxe grandes avanços com relação à igualdade racial no artigo 42, inciso I, transformando o racismo em crime inafiançável e o artigo 68 contemplou as comunidades remanescentes de quilombos, direito ainda não consolidado, em razão de questões fundiárias.  (Assessoria de Comunicação Social da SEPPIR/PR).

Um momento destacado na defesa dos direitos  humanos das mulheres foi a articulação desenvolvida ao longo do período pré-1988, visando à  obtenção de conquistas no âmbito constitucional. Esse processo culminou na elaboração da  Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, que contemplava as principais reivindicações do movimento de mulheres, a partir de ampla discussão e debate nacional. Em  razão da competente articulação do movimento durante os trabalhos constituintes, o resultado  foi a incorporação da maioria significativa das reivindicações formuladas pelas mulheres no  texto constitucional de 1988.

Como observa Leila Linhares Barsted, “o movimento feminista brasileiro foi um ator fundamental nesse processo de mudança legislativa e social, denunciando desigualdades, propondo políticas públicas, atuando  junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da lei. Desde meados da década de  70, o movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre  homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as  formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais” A ação organizada do movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição  Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações, tais como o reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.

O êxito do movimento de mulheres, no tocante aos ganhos constitucionais, pode ser  claramente evidenciado pelos dispositivos constitucionais que  asseguram: a) a  igualdade entre homens e mulheres em geral (art. 5º , I) e especificamente no âmbito da família (art. 226, § 5º); b) o reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226,  § 3º , regulamentado pelas Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e nº 9.278, de 10 de maio  de 1996); c) a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou  estado civil (art. 7º , XXX, regulamentado pela Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que  proíbe a exigência de atestados de gravidez, esterilização e outras práticas discriminatórias  para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho); d) a proteção  especial da mulher no mercado de trabalho, mediante incentivos específicos (art. 7º , XX,  regulamentado pela Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho); e) o planejamento  familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e  científicos para o exercício desse direito (art. 226, § 7º , regulamentado pela Lei nº 9.263, de  12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e  integral à saúde); e f) o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, § 8º) , tendo sido prevista a notificação compulsória, em território nacional,  de casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou  privados, nos termos da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, Lei nº 3157, de 27. 12.2005 contra a discriminação por orientação sexual e de gênero, bem como promulgada a Lei  Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 7 agosto de 2006, para a prevenção e o combate da  violência contra a mulher, outra grande conquista das mulheres. Em 5 de maio de 2011, na  ADIN nº 4277,  fundamentado no art. 226 da Carta Magna, o STF reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Quanto às candidaturas de mulheres, conforme observa José Estáquio Diniz, houve um crescimento  de candidaturas femininas no Brasil, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral, com a promulgação das Leis 9.100/95 e 9.504/97 inaugurando a política de cotas, com o objetivo de reverter o caráter excludente do sistema político brasileiro, nos aspectos de gênero, ainda que abaixo do esperado. Os resultados tímidos da Lei se devem à forma  como a legislação foi adotada no Brasil. A Lei “reserva” 30% das vagas para cada sexo, mas não obriga que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo que tem representação minoritária.

Mesmo entendimento emerge do movimento de mulheres, já que a política de cotas não resultou em um apoio efetivo e adequado às candidaturas femininas, denunciando que os partidos políticos não cumprem as cotas e seus fundos não destinam recursos de caráter afirmativo às candidaturas das mulheres.

A antropóloga e professora Elizabeth Nasser,  em toda sua atuação feminista, sempre denunciou a desvalorização das mulheres nos partidos políticos, ainda que a população eleitoral feminina seja maior que a masculina.  É preciso que se estimule a participação das mulheres na política de forma eficiente, não apenas reservando cotas, mas dando-lhes condições para sua atuação no preenchimento efetivo das vagas.

Nos 25 anos de nossa Constituição observamos grandes vitórias, contudo as mulheres devem continuar a legitimar e fortalecer os avanços conquistados.

Lucineide Freire
Presidenta CMDM

Fontes: Constituição Federal; TSE; STF; SEPPIR/PR, Relatório Nacional Brasileiro da IV Conferência; “Mulher 2000: Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”;  Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras; Nery Júnior; Jacqueline P. de Romani;  Flávia Piovesan; Leila Linhares Barsted.

Nenhum comentário:

Postar um comentário